Em seu primeiro parágrafo do capítulo Linguística Aplicada como espaço de desaprendizagem, Branca Fabrício descreve um panorama de coexistência de pares opostos de ideais. As posições de extremo que a autora lista, se eram verificáveis à época da escrita do livro, são hoje gritantes, em especial no que diz respeito aos ideais de intelectualistas e antiintelectualistas. A autora parte da constatação das metamorfoses sociais em sua busca de compreender “como a ideia de trânsito permanente está afetando as teorizações contemporâneas de nossas práticas discursivas”. De sua análise, Fabrício conclui que é necessário desaprender as “proposições axiomáticas” e a “noção de negatividade atribuída à mestiçagem”. Uma linguística que produza estudos significativos para o mundo em que vivemos tem de se ajustar para compreender, no sentido de englobar para entender, o mar agitado das massas de gente que defendem pontos de vista opostos e ideais diversos.
Alastair Pennycook também defende uma moção para além de debates fúteis no campo da linguística em direção à criação de “um novo arcabouço para a LA” por meio do que o autor chama de teorias transgressivas (p. 70). Pennycook argumenta que as compreensões comuns de interdisciplinaridade transmitem a visão de disciplinas estáticas, quando interdisciplinaridade é primariamente fluida, mutante. O autor cita exemplos em sua área de pesquisa em que travessia entre disciplinas foi necessária à compreensão do fenômeno estudado. A visão tradicional de limites entre disciplinas pressupõe em muitos casos a regra tácita de respeito aos limites. A proposta de Pennycook é a transgressão de fronteiras e a derrubada de cercas disciplinares. Depois de esclarecer o uso que faz do termo “transgressiva”, o autor categoriza a teoria transgressiva por seu objetivo de “atravessar fronteiras e quebrar regras em uma posição reflexiva sobre o quê e o por que” atravessar na direção de mudança (p. 73). A teoria transgressiva é ação e pensamento, argumenta Pennycook.
Moita Lopes, no capítulo sobre a LA e vida contemporânea, identifica o desafio da questão contemporânea: como criar inteligibilidades ao produzir conhecimento e colaborar para o surgimento de alternativas sociais para quem está às margens, de modo a trazer essas vozes para o centro (p. 86). Falando sobre o papel da linguística nas relações sociais, Moita Lopes cita “a linguística que nos faz falhar”, de Lopes da Silva & Rajagopalan, por “ignorar o que as pessoas no cotidiano pensam sobre linguagem” enquanto insiste em “produzir conhecimento sobre a vida delas ou lhes indicar ações políticas”. O autor argumenta que o projeto ético que a pesquisa científica precisa abraçar é aprender a lidar com as diferenças sobre o modo como o pesquisador percebe a si mesmo e os outros ao tempo em que se opõe ao “privilégio ocidentalista de um si-mesmo fechado e homogêneo e daqueles que são iguais” (p. 89).
Os três autores sinalizam para a importância de os estudos da LA (1) serem desconstrutores (pela desaprendizagem) de conceitos fixos que não se ajustam ao movimento no mundo que a LA pretende estudar, (2) serem transgressivos no sentido de romper sempre que necessário as fronteiras disciplinares e quebrar regras para produzir mudança, e (3) adotarem um projeto ético de estudo que respeite o objeto estudado por dar-lhe a importância e voz que merece.
Referências
FABRÍCIO, B. Linguística Aplicada como espaço de desaprendizagem: redescrições em curso. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006, p. 45-65.
PENNYCOOK, A. Uma Linguística Aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006, p. 68-84..
MOITA LOPES, L. P. Linguística Aplicada e vida contemporânea: problematização dos construtos que têm orientado a pesquisa. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006, p. 85-107.
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