Tentarei estabelecer a relação entre o texto de Norman Fairclough* e minha área de interesse de pesquisa. Entendo que a criação de relações entre os textos para a disciplina de Introdução à Linguística Aplicada e a área de interesse em minha pesquisa induz a reflexões importantes para (1) encontrar uma solução pessoal individualmente satisfatória para o problema de definição do que é LA, (2) identificar pontos relevantes para meu projeto de pesquisa, (3) mapear as relações entre tais pontos na área principal em relação à área subjacente, e (4) criar um roteiro e plano de ação para levar adiante o projeto com o benefício das reflexões abertas pela disciplina em questão. Assim, em lugar de superficialmente citar vários pontos sobre o que determinado autor escreveu, como numa resenha descritiva, procurarei identificar um ponto contribuído por um autor que seja relevante para os Estudos da Tradução.
Norman Faicough, no capítulo Teoria social do discurso, aborda o discurso como prática social a partir de uma perspectiva dialética. Muitos dos exemplos utilizados pelo autor partem das relações de poder nos âmbitos da família, da escola, da vizinhança, e de circunstâncias corriqueiras. Esses âmbitos favorecem, embora não sejam excludentes, o pensar sobre o discurso em situações de fala. Não obstante, o autor argumenta que seu enfoque é sobre o discurso como uma prática de representação e significação do mundo. Farirclough afirma que o discurso como prática social tem função identitária (ajuda a construir identidades sociais), relacional (contribui para a construção das relações sociais) e ideacional (pela contribuição para os sistemas de conhecimento e crença).
Pensar no discurso como fator de mudança social do ponto de vista da tradução requer a inserção de um “terceiro” elemento nas relações de poder: a pessoa tradutora. Tal inserção suscita questões fundamentais continuamente discutidas pelos Estudos da Tradução, particularmente aquelas relacionadas a fidelidade, invisibilidade, neutralidade e orientação (trazer o texto ao leitor, ou o leitor ao texto) da tradutora. Tradutoras exercem função primariamente mediadora. Ao atuar sobre o texto, será que paralelamente contribuem para a construção de identidades e relações sociais? Será que afetam o campo ideacional de uma comunidade, contribuindo para o enriquecimento de seu arcabouço de ideias e conhecimentos?
Interessa notar que durante o período imperial, a tradutora no Brasil era legalmente o autor do texto traduzido. Embora as leis de direitos internacionais sobre propriedade intelectual tenham mudado isso, recuperar esse fato pode ser útil para refletir em até que ponto a tradutora pode ser vista como elemento neutro nas relações de discurso. Para mim, ela seria tão neutra quanto um corredor em uma corrida de bastão: os movimentos do corredor, não o impotente bastão chamado texto, nem a pista por onde ele é levado, são o que ganha a corrida. É evidente que o discurso no texto tem o poder de produzir mudanças sociais, mas isso somente se seus receptores o puderem compreender. A tradutora exerce a função mediadora ativa que tem o poder de moldar e mudar o social.
Fairclough fala do discurso como prática política e ideológica. Ao aceitar o desafio de assimilar uma mensagem codificada e entregá-la a receptores em um novo código, a tradutora é agente político, no sentido de estabelecer relações de poder, e agente ideológico que cria sentidos a partir daquelas relações. Se pensarmos em níveis elevado e baixo de intervenção da tradutora sobre o texto-fonte e, consequentemente, sua influência sobre seus receptores na língua alvo, a metáfora do corredor na corrida de bastão corresponderia ao nível elevado: as construções e desconstruções da tradutora são imanentes do ato tradutório. O nível baixo de intervenção estaria associado às escolhas tradutórias, feitas conscientemente ou não. Assim como o pintor que altera o humor de sua obra com variações tênues nos tons das cores, por meio de pinceladas imperceptíveis no todo, ou o músico que aplica o mesmo efeito às suas composições pela escala que utiliza, pelos intervalos e por uma infinidade de outros recursos, a tradutora carrega o texto traduzido de nuanças de sentidos que se originam de sua cultura e que nela têm impacto. Ouroboros!
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