Ampliação do modelo triádico de Jakobson
Partindo das observações de Gorlée, sobre a operação sequencial triádica da tradução, Aguiar e Queiroz (2009, p. 1) sugerem a ampliação do modelo de Jakobson para contemplar “todos os tipos de textos”. A dupla argumenta que a tradução intersemiótica “opera em diferentes camadas de descrição”, selecionando propriedades relevantes a partir de determinadas camadas do código fonte e traduzindo-as em “novos materiais e processos” (ibidem p. 4). Os autores examinam dois modelos triádicos de tradução, baseados no modelo teórico assimétrico de Peirce, composto por um signo, seu objeto e seu interpretante (FONTANILLE, 2008, p. 39) 33F[1], e exemplificam a aplicação desses modelos à tradução de literatura para dança. Dito de outro modo, a tradução intersemiótica/multimodal envolve a percepção e compreensão de recursos semióticos em um código fonte para criar uma representação, verbal ou não-verbal, de tais recursos em um código alvo.
O conceito de operação em camadas, sugerido por Aguiar e Queiroz (2009, p. 4), é importante para compreender que esse tipo de tradução não tem como compromisso primordial a correspondência total e exata entre o recurso semiótico no código fonte e o recurso semiótico traduzido. Se tal correspondência dificilmente é possível em traduções intra e interlingual, que utilizam o modo textual verbal, na tradução intersemiótica ela parece impossível de ser verificada. Assim, essa operação em camadas poderia ser descrita como uma seleção localizada, de parte do todo, subsequentemente traduzida para um código alvo. Para ilustrar, uma empresa mineradora que decida explorar um veio de metal precioso, talvez faça sondagens no solo para determinar a localização e conformação do veio a ser explorado. Ao traduzir os resultados da sondagem em um mapa da mina, interessam a disposição e as dimensões do veio. Toda a informação extra, trazida pela sondagem, será preterida como de menor importância. De modo análogo, a tradução multimodal deve reconhecer e mapear camadas conceituais de interesse no código fonte, como base para verter o conteúdo selecionado em um código meta.
Um exemplo de seleção de camadas em uma obra fonte e duplicação dessas camadas em uma obra alvo seria a tradução de uma obra literária para cinematográfica. Os aspectos histórico, pragmático e sintático são algumas das camadas de sentido na obra literária. A obra cinematográfica, por sua vez, conta dentre suas camadas o figurino, a dinâmica de ritmo e o movimento. A obra literária se constrói a partir do texto verbal escrito. A multimodalidade do texto verbal (vide p. 88) se manifesta nas escolhas estéticas para comunicar sentido, mas não se restringe a essa manifestação. A estética pode ser de natureza formal e/ou conceitual. A Figura 8 representa uma possiblidade de aplicação da teoria dos signos à tradução de obras literárias em cinematográficas. Por esse modelo triádico assimétrico, a estética formal estaria principalmente na instância “objeto”, ao passo que a conceitual se manifestaria na instância do “representamen” (o “signo”, na Figura 8). A tradução de uma obra literária em uma cinematográfica depende principalmente das camadas conceituais de sentido na instância do “signo”, porque essas contêm níveis de texto que podem ser isolados e traduzidos.
Discorrendo sobre o isolamento de um nível de texto como parte do processo de tradução de obra literária para filme, Umberto Eco declara:
Muitas adaptações são traduções no sentido de isolar uma das camadas do texto fonte, camada essa que o adaptador deseja verter em outro contínuo. O exemplo mais comum seria o de um filme que isola um nível narrativo de um romance, a sequência de eventos, e talvez descarte (ou meramente tente emular em outro contínuo) seus aspectos estilísticos.
Umberto Eco (2001, p. 125).
Dadas as diferenças das mídias envolvidas nesse tipo de tradução, a seleção de camadas específicas do texto fonte, sobre as quais elaborar o texto alvo, é somente natural e mesmo desejável. A palavra “seleção”, tal como a “isolamento”, como posto por Eco (ibidem), carrega o sentido de descarte ou esmaecimento daquilo que não é selecionado. O aspecto histórico de uma obra literária do século dezoito, por exemplo, em geral, é traduzido pelo figurino, pela arquitetura e pelos meios de transporte. Os aspectos estilísticos do texto, como graus de formalidade ou escolhas lexicais, podem ser descartados ou amenizados. De modo similar, a música pode traduzir sentidos de outros modos textuais, como veremos a seguir.
[1] Jacques Fontanille observa que o modelo triádico de Peirce é, na verdade, composto de “quatro elementos: (1) “aquilo” que representa (2) “algo” (3) para “alguém” e (4) sob “certo modo” ou “aspecto” (…): (1) representamen, (2) objeto, (3) interpretante, (4) fundamento” (FONTANILLE, 2008, p. 39).